O reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo no Brasil tem ocorrido até o presente apenas em algumas decisões judiciais. A discussão ganhou relevância desde pelo menos 1995, quando a então deputada Marta Suplicy (PT/SP) foi a autora de um projeto de lei que regulamenta a questão. Tal projeto, entretanto, jamais foi aprovado na Câmara dos Deputados e foi seguido por um substitutivo de autoria de Roberto Jefferson (PTB/RJ) em 2001, já aprovado nas comissões temáticas da Câmara e pronto para ser votado em plenáriO.Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça em 2006 definiu que casais do mesmo sexo formam uma sociedade de facto, o que lhes garante alguns direitos legais antes não permitidos (a decisão não tem validade geral, mas apenas para aquele caso específico, porém indica como o Tribunal entende atualmente a questão). Em outra ocasião, o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello afirmou que o Estado brasileiro deveria reconhecer a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Em 2008, o presidente Luis Inácio Lula da Silva também se declarou favorável ao reconhecimento das uniões homossexuais.
Registro de uniões homoafetivas em Cartório de Títulos e Documentos
Em março de 2004, o estado do Rio Grande do SUl foi o primeiro estado a publicar uma norma administrativa (da Corregedoria Geral da Justiça do estado) determinando que os cartórios de Títulos e Documentos registrassem contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo. Em julho de 2008, a Corregedoria Geral da Justiça do Piauí também expediu uma norma similar. Há também decisão, datada de 2002, que obriga os cartórios de Títulos e Documentos do município de São Paulo a registrarem tais contratos. Apesar de não ferir a legislação nacional sobre casamento em vigência, o registro torna pública a união e facilita a prova. Para obter benefícios previdenciários do INSS (obrigado a conceder aos companheiros homossexuais desde 2000 devido a uma ação civi pública iniciada no Rio Grande do Sul e que gera efeitos em todo o país, decisão essa ainda provisória), o registro dessas uniões é uma das formas aceitas pelo INSS para prová-las. O registro desses contratos não garante automaticamente direitos de herança ou qualquer outro que obrigue terceiros, ainda que seja uma prova importante para comprovar a união (cabendo ainda a cada decisão judicial a interpretação se tais uniões se equiparam ou não às uniões estáveis previstas no art. 226 da Constituição Federal).
Em que pese apenas em algumas localidades haver normas administrativas determinando o registro, a base dessas normas é a interpretação de uma lei federal, que garante que qualquer contrato que não fere a lei pode ser registrado em Títulos e Documentos. Cartórios do Rio de Janeiro também anunciam que tais contratos são registráveis e há notícias de que em Roraima também se fazem normalmente esses registros. O direito ao registro é garantido em lei federal, podendo ser contestado, perante o competente juiz corregedor, qualquer decisão de cartório que se recuse a registrar, em qualquer parte do país. Nos locais em que há norma administrativa determinando o registro, o cartório que se recusar comete falta funcional, sujeito a punições. Isso não significa que em outros locais não exista direito ao registro (apenas não foi necessária sua regulação administrativa pela Corregedoria de Justiça).
Posição do Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal, a quem cabe a decisão final sobre a constitucionalidade ou não de qualquer questão, até o momento não enfrentou diretamente a matéria em seu órgão pleno (plenário com seus onze ministros), resolvendo as questões até o momento com decisões monocráticas (tomadas por um único ministro).
Quando a justiça federal obrigou o INSS a pagar pensão ao companheiro homossexual, em 2000, a autarquia ingressou no STF com um pedido de suspensão de segurança (PET 1984), visando suspender os efeitos da medida liminar (decisão provisória), com o argumento de que a obrigação traria grande ônus aos cofres públicos. Durante todos os anos em que a questão está no STF, a questão foi tratada apenas pelo presidente do tribunal (vários presidentes já se alternaram desde o início da ação), não chegando a ser analisada por um órgão colegiado (turma ou plenário). O pedido do INSS foi indeferido por decisão do então presidente do STF Marco Aurélio de Mello em 10 de fevereiro de 2003, mantendo-se a decisão judicial que obriga o INSS a pagar os benefícios. Na decisão, o ministro indica que a sentença que obrigou o INSS a conceder os benefícios foi devidamente fundamentada, sopesando valores constitucionais, não cabendo interpretar um dispositivo isolado da constituição de forma a se permitir um preconceito. O INSS recorreu dessa decisão monocrática (tomada por apenas um ministro) e a questão ainda está pendente de julgamento.
A propositura da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3300-DF) questionando a constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.278/96 (que reconhece como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua entre um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família), em 2004, sob o fundamento de que seu texto vai contra o princípio da igualdade ao excluir as uniões homossexuais atacava diretamente a questão. O relator da ação, ministro Celso de Mello, entretanto, arquivou a ação, sob o argumento de que o artigo atacado já estava completamente regulado pelo artigo 1723 do Código Civil, em vigor desde 2003. Na mesma decisão, contudo, o ministro destacou que trata-se de “relevantíssima tese pertinente ao reconhecimento, como entidade familiar, das uniões estáveis homoafetivas”
Também encontra-se pendente de julgamento no STF a arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF 132, proposta pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, onde o autor pede que, para evitar interpretações discriminatórias às uniões homossexuais de dispositivos de leis estaduais sobre benefícios previdenciários para os servidores públicos daquele estado, o STF declare que o regime jurídico da união estável deve se aplicar também às relações homoafetivas. A ação não se limita apenas ao reconhecimento de benefícios previdenciários dos servidores públicos do estado, mas pede uma interpretação que equipare às uniões homoafetivas ao regime das uniões estáveis, devendo o artigo 1.723 do Código Civil – que reconhece como entidade familiar a união estável entre um homem e uma mulher, se presentes a convivência pública, contínua e duradoura e com a finalidade de constituição de família – ser inerpretado de forma a não excluir as uniões homoafetivas. Considerado um dos grandes julgamentos previstos para o plenário do STF em 2009, o presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, trabalha para que seu julgamento ocorra até o início do segundo semestre. Após parecer do Advogado Geral da União concordando com o pedido em parte, mas ressaltando que os efeitos da decisão não poderiam atingir direitos de indivíduos de todo o território nacional (por se tratar de pedido formulado por governador de estado), a Procuradora Geral da República interina, Deborah Duprat, ingressou com ação de mesma natureza, solicitando tramitação em conjunto.
Posição do Tribunal Superior Eleitoral
Ao analisar o Recurso Especial Eleitoral nº 24.564, em 1 de outubro de 2004, o Tribunal Superior Eleitoral definiu que a candidata a prefeita de Viseu, Eulina Rabelo, que teria uma relação homoafetiva com a prefeita já reeleita, era inelegível da mesma forma que o seria um cônjuge, conforme previsão do §7º do artigo 14 da Constituição Federal ("são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição"). A decisão, por unanimidade, contando com a presença de três ministros do STF, considerou que a relação homoafetiva é um fato que não se pode ignorar e gera efeitos, que no âmbito do direito eleitoral deve ter tratamento semelhante à união estável ou o concubinato (união entre homem e mulher onde ao menos um deles tem impedimento para casar, como por exemplo, alguém apenas separado de fato que inicia outro relacionamento estável).
Questões constitucionais e legais
O reconhecimento legal ou judicial de uma união homossexual tem sido defendido como aplicação dos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana, bem como do objetivo fundamental de promover o bem de todos sem quaisquer formas de discriminação.
Em contraponto, a família é tratada constitucionalmente no artigo 226, que a define como base da sociedade e sujeita à proteção especial do Estado. O parágrafo 3º desse artigo reconhece a união estável entre um homem e uma mulher como entidade familiar, o que para muitos exclui a possibilidade de equiparação das uniões homossexuais a essa forma de união estável. A Lei nº 9.278, de 1996, regulamenta esse parágrafo 3º, deixando claro em seu artigo primeiro que se tratam de uniões entre um homem e uma mulher.
Diante da inexistência de disposições legais a respeito, muitas decisões judiciais vêm equiparando as uniões homossexuais às uniões estáveis entre um homem e uma mulher, enquanto outras decisões vão no sentido oposto, fundamentando-se na impossbilidade constitucional desse reconhecimento ou na inexistência de lei que as regulem, ou até mesmo de que a lei regulamentadora é específica ao se referir a uma união entre um homem e uma mulher.
Nas discussões em torno da aprovação de lei reguando as relações homossexuais no Congresso Nacional (leis sobre direito civil, que também abrange o direito de família, são privativas da União, não sendo válidas leis municipais ou estaduais a respeito), os contrários à equiparação também se baseiam no artigo 226 da Constituição Federal, especialmente em seu parágrafo terceiro.